domingo, 25 de março de 2007

Menina não pode

Menina não pode ser moleca, rir escandalosamente, falar besteira, conversar sobre sexo ou falar alto. Menina não pode fazer piada, falar palavrão ou ficar bêbada. Menina não pode dançar, cantar, ou correr no meio da rua. Menina não pode ficar com mais de um numa noite, fazer o que tem vontade se não tiver um homem pra dizer que essa é a vontade dele. Menina não pode dizer o que pensa, mas deve ouvir o que todo mundo pensa dela. Menina não pode extravasar o que sente. Menina não pode sentar de perna aberta (mesmo de calça), menina não pode pôr os pés no painel do carro.

Menina deve ser educada, falar baixo, rir baixo, dançar direitinho e nunca descer até o chão. Menina só deve dizer coisas simpáticas e ficar vermelha de vergonha quando os homens dizem alguma bobagem. Menina deve ser casta, pode até gostar de sexo, mas nunca deve admitir isso em público. Menina deve ser sempre a princesinha do pai, do irmão, do namorado, do primo e do melhor amigo. E quando crescer ser a rainha do marido e do filho.

Apesar de achar que princesa é um ótimo adjetivo para uma mulher, por transmitir toda a doçura, delicadeza e serenidade inerente ao sexo feminino, eu confesso... Não tenho a menor vocação pra princesinha.
Falo alto (minha família é surda, tenho que gritar pra ser ouvida em casa, oras), minha risada é escandalosa, falo mais besteira do que muito homem, acho que quando se dá uma topada na rua nenhuma expressão substitui o “puta que pariu!”, adoro uma tequila de vez em quando, amo me acabar na pista de dança quando toca um funk, não sei sentar como mocinha, e adoro andar de carro com os pés apoiados no painel, cantando um rock bem alto de preferência.

Só me comporto como princesa se estiver me sentindo MUITO desconfortável, rodeada de pessoas que nunca vi na vida. Se eu ganho o mínimo de intimidade... Já era... Fico engraçadinha mesmo.
Só Deus sabe o quanto já incomodei as pessoas com esse jeito.
Esse tipo de graça escrachada, graça irônica... Outras vezes, graça particular, só pra mim. Graça que assim que sai da boca, vem o pensamento “porque eu disse isso???”.

Às vezes morro de vergonha, às vezes de preocupação por ter dito algo que possa magoar alguém. Às vezes tenho a sensação de que peço licença por ser mulher e ser espontânea, enquanto deveria conseguir arrombar a porta e ter orgulho de ter mil sentimentos contraditórios, que freqüentemente saem em forma de piadinhas.

Nessas horas, eu consigo ver claramente que por mais que as mulheres hoje possam votar, trabalhar fora, usar pílula, escolher seus parceiros, seus maridos, sua profissão, ainda há um passo gigantesco a ser dado. O mundo só vai mudar de verdade quando nós pararmos de acreditar que não podemos fazer um monte de coisas. Quando pararmos de educar filhos que pensam assim.

Por hoje, fica a saudade do tempo em que eu era criança e achava que menina só não podia jogar bola.

Um comentário:

lu disse...

É mesmo...
Quando se é criança menina pode tudo, fazer sujeira, brincar descalça, ir à praia sem biquini e até mesmo falar de boca cheia. Só não pode meeesmo é jogar bola. Pra você ver como certos preconceitos nascem prematuros...

Na minha filosofia, menina pode tudo. Pode até mais, pois carregar um ser durante nove meses no bucho não é pra qualquer um não!