domingo, 30 de março de 2008

Ao meu amigo

Queria muito que você pudesse ler isso. Ou melhor, queria muito não ter que escrever isso. Mas nem sempre as coisas acontecem do jeito que a gente quer e aqui estou eu. Escrevendo pra que todo mundo saiba o quanto você foi importante. E, por um motivo bem egoísta, desabafar e tirar de mim a dor que todo mundo que te conheceu está sentindo.

Você foi embora muito cedo. Cedo de rápido e cedo de cedo mesmo. Às 8hs da manhã de uma sexta-feira muito ensolarada, sem uma nuvenzinha no céu, eu ouvi de alguém que, até então, eu nunca tinha visto, que você não estava mais no hospital e nem tampouco ia voltar pra faculdade. Não posso dizer que eu chorei assim que eu soube. Minha ficha demorou bastante pra cair e eu sabia que o que eu tinha que fazer.

Olha que ironia... Eu que tinha posto na cabeça que não queria fazer jornalismo pra dar notícia ruim pra ninguém, teria que dar a pior de todas. Não posso dizer que não esperava, você já estava há muito tempo longe da gente. Mas nunca imaginei que seria assim. Nunca imaginei que eu saberia assim.

Doeu ver todo mundo rindo e ter que cortar o sorriso de todo mundo. Mas desde cedo me ensinaram a não chorar nessas ocasiões. Poderia fazer você sofrer. Fui egoísta e nunca soube não fazer isso. As lágrimas sempre foram mais fortes do que eu. Também não é certo pedir proteção ou pedir pra você voltar. Existem certas regras, e você poderia ficar muito triste por não poder quebrá-las. O que me ensinaram na verdade é que, quanto mais cedo se entende que a morte faz parte da vida, menor o sofrimento.

Alguns amigos nossos não foram educados dessa forma, e se sentem culpados a cada vez que sorriem. “Como eu posso sorrir, se ele não está mais aqui?”. É, eu entendo. Mas os sorrisos vão continuar a existir mesmo sem você. Seja sincero, você gostaria que fosse diferente? Duvido. Não você.

Aliás, eu sinto muita falta de não ter visto você rindo tanto quanto eu gostaria. Afinal, a gente conviveu poucos meses, né? Imagina só, o quanto a gente não teria rido junto se esses meses fossem anos. Cada piada, cada frase, cada brincadeira está guardada na memória, número 2! E de lá não vai sair nunca.

Talvez a gente se encontre um dia. Talvez não, sei lá. Mesmo assim, eu quero que você saiba que o pouco tempo de convivência não foi empecilho pra gente te adorar profundamente. As pessoas têm a tendência de esquecer os defeitos dos que já se foram. No seu caso, isso não poderia ser mais verdadeiro. Você foi embora antes que alguém pudesse te ver, sequer, de mau-humor. Mas não há de ser nada. A gente amaria até seus defeitos.

Hoje, você fica na memória, viu? E algo que foi dito na sexta-feira vai ficar pra sempre na minha lembrança: “Quem é bom não está aqui”. Quem não pensa assim pode achar ofensivo quando eu digo que você mereceu ter ido. Mas juro que não é. É porque eu acredito de coração que é a gente que ainda não é digno da sua companhia. Mas vamos ser. Aí, quem sabe a gente se encontra, né?

Saudades mais que eternas! Te adoro!


quarta-feira, 19 de março de 2008

Elefante

Cinco anos depois do lançamento eu finalmente parei para ver Elefante, mais uma história de um massacre numa escola americana. Quer dizer, é mais uma, mas não apenas mais uma. É uma história contada por Gus Van Sant, e isso faz toda a diferença.

Dá pra notar logo nos primeiros minutos que você não está diante de um filme americano comum, com aquela narrativa linear, muitos efeitos especiais, adolescentes maravilhosos, escola colorida a ponto de você pensar que alguém aumentou o contraste da cena usando photoshop. Na verdade, você logo nota a ausência de cor, uma certa palidez, um quê de desfocado. E, o que pode ser mais angustiante para os fãs dos blockbusters, uma cena falta de contextualização das imagens, um excesso de close que te põe tão perto dos personagens que de vez em quando é necessário olhar para a marca da tv, ou a luzinha de on, embaixo da tela. Quem gosta de videogames vai adorar. A imagem é bem parecida.

Na verdade, a angústia que isso traz é proposital. Apesar de não mostrar as angústias e as mazelas dos assassinos o filme usa a sensação de aperto no peito. Exatamente por não mostrar nada. Você não sabe o que levou aquelas duas crianças a cometerem tal brutalidade, de modo que você pode pensar que qualquer um poderia fazer aquilo. Essa é a idéia. Qualquer um com uma mente perturbada pode fazer aquilo. Qualquer um que tenha sido um pouquinho zoado no colégio pode fazer aquilo. Desde que tenha nascido psicopata, penso eu.

Segundo o diretor e roteirista, o título é uma homenagem ao filme homônimo do cineasta inglês Alan Clarke sobre a violência religiosa na Irlanda, e uma referência à expressão “um elefante na sala de estar”. Você não pode ignorar algo tão grande, tão incômodo e tão próximo de você, certo? Ainda mais quando o “troço” vem acompanhado de um silêncio ao qual não fomos acostumados. É possível saber o que se passa nas cabeças destas crianças? Quase nunca. É possível encontrar um culpado? Talvez.

No caso de Elefante, no entanto, o culpado passa longe de Marilyn Manson e afins. Até porque, quem espera uma trilha sonora regada de rock pesado vai se decepcionar. A única música do filme é Fur Elise, de Beethoven. E o assassino a toca maravilhosamente bem, com um ar blasé. Bem no tom do filme.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Carta ao anônimo

Anônimo,

No post passado você me perguntou o que eu ando lendo. Adorei a pergunta e lamentei muito não poder te responder de forma direta. Afinal, como toda pessoa que AMA ler, eu AMO falar sobre o que eu estou lendo. E amaria passar horas respondendo a esta pergunta, SE eu realmente estivesse lendo alguma coisa.

É, eu sou apaixonada por livros. Pelas histórias, por vê-los nas estantes ou espalhados no chão do escritório, como estão no momento. Por vê-los nas livrarias, nas casas de amigos, folheá-los, etc e tal. É de se supor que eu estivesse de fato lendo alguma coisa, mas eis que me surge um problema.

É um vazio que me dá depois que eu acabo de ler um livro muito bom. Geralmente acontece com os best-sellers. Sem preconceito nenhum, porque existe um motivo para eles venderem tanto: são bons, oras. E depois de terminar um livro que eu gosto muito é quase um fim de namoro (salvo as devidas proporções porque eu também não sou maluca). Dá um vazio existencial daqueles brabos. Quem eu sou? Pra onde eu vou? O que vou fazer da minha vida?

Uma amiga, um dia, comparou num texto o cigarro a um grande amigo. Pois é, não sei. Não fumo. Mas o livro que eu estou lendo (e gostando) se torna meu melhor amigo no mundo. Largo até namorado pra ficar um pouco mais com ele, quando acho que ele está precisando de mim. Às vezes, sou eu que preciso dele, mas nem sempre quero confessar. Às vezes, é ele que precisa de mim, porque tem livros que pedem para serem lidos.

Confesso que sou vulnerável. Troco de amigo como troco de roupa. Não consigo ser amiga por mais de uma semana. E quando consigo é porque o amigo é bem grande e eu ando bem sem tempo pra ele. Quando acaba, dificilmente volto a procurá-lo. É por isso que alguns eu não consigo compreender tão bem quanto deveria. Não dá aquela sensação de encontrar sempre uma pessoa nova naquela que você achava que conhecia tão bem. Não gosto de pessoas imprevisíveis, e talvez seja por isso que não gosto de reler o que já conheço. Um dia, talvez, quem sabe, eu volte a reencontrar a Capitu, o Bentinho, Brás Cubas, Jo March, Tom Sawyer e Dorian Gray. Por agora eu tenho que conhecer mais gente.

Agora, confesso que não ando me prendendo a ninguém. Ninguém, nenhum amigo me apresenta alguém que vale a pena conhecer. Pego, largo, pego, largo. Nada para nas minhas mãos. Coincidiu com o fato de que os outros departamentos da vida não vão tão bem. Aliás, esse pega-larga-pega-larga explica muita coisa. Quando eu estou aérea ou, pelo contrário, concentrada demais em algum problema, todo o resto fica meio nebuloso. Até os amigos. Mas to saindo da fase. Alguém aí tem algum amigo pra me apresentar?

quinta-feira, 6 de março de 2008

Precisamos falar sobre o Kevin

A primeira vez que eu ouvi falar dele foi no Saia Justa. A Márcia Tiburi comentando já não me lembro mais o que. Depois, uma amiga disse que estava lendo, mas não sabia se achava bom ou não. Depois, outra leu e achou maravilhoso. Eu li e concordei com ela.

Mas Precisamos falar sobre o Kevin não é uma leitura fácil. É gostosa, não exige concentração demais, não dá saltos narrativos que fazem o leitor ficar perdido. No entanto, é pesado. Afinal, uma história sobre um massacre (fictício, mas baseado nas histórias que estamos cansados de ler nos jornais) em uma escola americana não poderia ser muito diferente. Cartas que a mãe do assassino manda para o ex-marido também não pode ser um mar de rosas. Talvez, por isso seja tão bom. Exatamente por mostrar o lado punk da maternidade, num mundo onde ser mãe é ganhar um presente divino.

Concordo absolutamente com isso. Dar luz a um outro ser deve ser uma sensação maravilhosa. Um bebê deve ser realmente um presente dos céus, mas... E quando não é?

Leonel Shriver discute exatamente o tema que muitas pessoas evitam tocar: a maldade inerente a algumas crianças. Afinal, crianças, por mais fofas, graciosas e espertas que sejam, são humanas. E como tal estão sujeitas a serem boas ou más, como todo mundo. Por que então esse assunto é tabu?

Porque todos pensam que a maldade está relacionada com a falta de educação, falta de amor, falta de preceitos morais. Ou seja, culpa dos pais.

Eva Katchadourian, mãe de Kevin Katchadourian –ou KK, como gosta de escrever a imprensa americana- passa 461 páginas se perguntando se a culpa é realmente dela. E o leitor pensando se é realmente possível que uma pessoa seja culpada por fazer outra, no caso um jovem de 15 anos, assassinar brutalmente 11 pessoas.

No meio de toda a discussão, a personagem ainda traça um perfil bastante contundente da sociedade americana, personificada na figura de seu marido, tão patriota que chega a ser cego para alguns fatos que se apresentam diante de seu nariz.

Já Eva, apesar de ter nascido nos Estados Unidos, como uma rica editora de guias turísticos, se considera uma cidadã do mundo. A distância ideal para um questionamento: porque quando algo dá errado naquele país, a culpa tem sempre que ser de outra pessoa?

Como alta executiva, dona da A wing & a Prayer, Eva deixou a idéia de ter filhos em segundo plano. Quando reconsidera sua escolha, nasce Kevin, para colocar à prova todas as idéias pré-concebidas da maternidade. A idéia de uma família comercial de margarina logo vai abaixo. É o lado tosco, punk e até cruel da tarefa de cuidar e educar um ser que nem sempre é um anjinho.

Precisamos falar sobre Kevin é, ainda, um best-seller diferente de todos os que apareceram nos últimos anos. Questões sérias, personagens magistralmente construídos, sem deixar de ter aquela revelação bombástica no final.

Simplesmente GENIAL.