domingo, 10 de agosto de 2008

Dogville.


Dogville seria apenas mais um filme de crítica a sociedade norte-americana não fosse a competência de Lars von Trier. Seria apenas mais um longa protagonizado por Nicole Kidman não fosse a genialidade do diretor que optou pela falta de cenários e grandes efeitos para tratar de temas espinhosos como a arrogância, generosidade e a alma humana.
Mas, Lars Von Trier não é um diretor comum. E suas escolhas fizeram de Dogville um retrato contundente do EUA durante a Grande Depressão, e até hoje.

A ausência de cenários concentra a atenção do espectador no que realmente importa: a ação dos personagens. Sem paredes, portas, janelas, ou qualquer recurso cênico, podemos assistir de camarote o que se passa em toda a cidade de Dogville, uma pequena comunidade perto das Montanhas Rochosas, onde chega Grace (Nicole Kidman) fugindo de gangstêrs.

Grace logo encontra Tom, um escritor que nunca escreveu mais de duas palavras e passa o tempo às voltas com discursos morais. Em busca de um exemplo para sua comunidade, Tom vê em Grace exatamente o que precisava: a prova de que os cidadãos de sua cidade têm dificuldade de aceitar novas situações.

Mais do que um exemplo, ao ser aceita pela comunidade, Grace passa a ser uma parte importante na vida dos habitantes de lá. Ela tem duas semanas para provar que é digna de confiança e passa a realizar pequenos serviços que os moradores não precisam, mas “generosamente” a permitem fazer em troca de hospitalidade.

A paz em que a cidade mergulha com a chegada da moça, é perturbada com outra chegada: a da polícia, que afirma que Grace é procurada por assaltos a banco. Mesmo sabendo que não é verdade, os habitantes de Dogville passam a cobrar um preço mais alto pela sua generosidade. Grace logo se torna escrava daqueles que, há pouco tempo, eram seus amigos. É estuprada, humilhada e mal-tratada por quase todos no lugar.

Clichê? Não, longe disso. O filme é todo feito de sutilezas. A maldade presente em Jason, ainda menino. A passividade de Grace que, só ao final, entendemos como arrogância. A suposta generosidade dos habitantes ao deixar que Grace os ajude. A paixão de Tom, traduzida em omissão, já que, mesmo apaixonado, não faz nada quando sua amada em estuprada por todos os homens do lugar. A vaidade disfarçada de Liz. Está tudo ali. Exposto em uma cidade sem paredes que deixa transparecer a rotina e a indiferença de uma pequena cidade. Norte-americana, sim, mas que poderia estar em qualquer lugar do mundo.
A discussão destes valores tão presentes na vida cotidiana se resume a uma frase: afinal, até onde iríamos se não tivéssemos ninguém olhando?

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